Artigo: As sacolinhas e a panaceia desvairada
Fonte: O Globo – Emanuel Alencar
Os órgãos públicos vão aferir se as sacolas aguentam até dez quilos?
Um a um, passo os produtos no caixa do supermercado e observo que há algo novo no ar, em forma de pilhas plásticas: sacolinhas bem fininhas, verdinhas, com uma mensagem em inglês “I’m green” me aguardam. Como eu só levei uma ecobag de pano na mochila (preciso mesmo mudar meus hábitos), precisei usar a novidade. Era véspera da entrada em vigor da nova legislação, e pergunto à moça quanto custará cada sacolinha sustentável. Ela não sabe dizer. Aparentemente, a funcionária não dá também muita importância à troca das embalagens preconizada pela lei estadual 8.006, autoria do deputado Carlos Minc (PSB-RJ).
É assim, de maneira ainda muito confusa, que o Rio embarca no combate às sacolinhas feitas de petróleo. Seguindo a cartilha de São Paulo, a ideia é retirar milhares de produtos plásticos do ambiente, garantindo salvaguarda especialmente aos animais marinhos — plástico nos oceanos, todos sabemos, é um péssimo negócio. Acontece que a mídia embarcou na euforia e prestou pouca atenção na panaceia desvairada: será mesmo que as novas sacolinhas são tão diferentes assim de suas demonizadas primas?
Especialistas que atuam há anos no setor de polímeros plásticos sugerem cautela e enxergam dificuldades na adoção de sacolas totalmente sustentáveis no país. De imediato, as novas sacolas que ganharam os mercados fluminenses têm composição química idêntica à das sacolinhas convencionais, feitas de processos petroquímicos. Trarão a vantagem de serem provenientes, em parte, da cana-de-açúcar. Mas, assim como as antigas, demorarão mais de 200 anos para se degradar na natureza. Não são, em nenhuma hipótese, biodegradáveis.
Da maneira com a qual o assunto vem sendo divulgado, fica parecendo que as novas, com resina 51% proveniente de cana-de-açúcar, são recicláveis, ao contrário das provenientes 100% de petróleo. Isso não é verdade. Ambas são totalmente recicláveis. Outra confusão frequente é sobre a resistência das novas sacolas. Os órgãos públicos vão aferir se as sacolas aguentam até dez quilos? Quem fará esse controle? Houve um entendimento prévio com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e com o Inmetro?
Pouca gente percebeu que a novidade terá uma única digital, que atende pelo nome de Braskem. Sim, a indústria é a única capaz de fornecer resina para as milhares de sacolinhas adequadas à lei. A resina “I’m green”, da Braskem, ganhou São Paulo a partir de abril de 2015, quando a prefeitura regulamentou a lei. A empresa atribui a opção pelo material ao modelo de reciclagem brasileiro: “Se a gente optasse pelo biodegradável, seria um complicador para as cooperativas de catadores e para os recicladores. Não funcionaria”, explicou-me Karla Censi, da área de marketing de produto da Braskem.
A capital paulista comemora, em quatro anos, a redução de 70% do uso de sacolas plásticas. Mexeu no bolso, e o consumidor ficou mais atento. Golaço. O Primeiro Mundo, porém, já trabalha com outro modelo. Na Itália, as sacolinhas de amido são totalmente compostáveis. Viram adubo. Há, globalmente, uma tendência de substituição das fontes fósseis por renováveis nas sacolinhas. No Brasil, entretanto, o mercado 100% biodegradável ainda é muito pequeno e falta um sistema de certificação, lamenta João Carlos Godoy, da empresa catarinense Oeko, fornecedora de sacolas biodegradáveis de mandioca e milho que viram adubo num prazo de três a seis meses, se descartadas em locais apropriados.
O caso ilustra como o debate ambiental é complexo, envolto em diversas nuances, e muitas verdades e meias verdades. Oxalá a nova lei fluminense suscite debates maduros, mais qualificados. Plástico pode ser uma bênção, mas pode ser muito ruim se descartado incorretamente. Podemos inaugurar a era do consumidor mais consciente. Mas evitemos a panaceia desvairada.
Emanuel Alencar é jornalista e editor de Conteúdo e Sustentabilidade do Museu do Amanhã
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