Não se engane: você já pagava pela sacolinha de plástico do mercado
Fonte: O Globo – Fe Cortez
O saquinho mata animais marinhos e também pessoas em enchentes e alagamentos
No fim de junho, passou a vigorar a Lei 8006/2018, que proíbe a distribuição e venda de sacolas de plástico tradicionais em mercados do Estado do Rio. Elas foram substituídas por sacolas compostas por 51% de matéria-prima de fontes renováveis, como a cana-de-açúcar. Na prática, o impacto do plástico é exatamente o mesmo, ou seja, continua entupindo bueiros, matando animais marinhos e se decompondo em “apenas” 200 anos (não mais em 400).
Lendo isso você deve estar se perguntando: essa lei ajuda quem?
Ajuda o produtor dessa resina. No Brasil, a Braskem, que chama esse plástico de “verde” – e, na cabeça de muita gente, “verde” é sinônimo de biodegradável. Chamar um plástico de verde não ajuda em nada e ainda induz ao erro de alguém achar que, usando essa sacola, estará fazendo um bem ao meio ambiente. Na própria lei isso também é confuso, já que as sacolas aceitas agora podem ser “reutilizáveis OU biodegradáveis”, que são coisas completamente diferentes. E a sacola antiga também era reutilizável quando não rasgava.
O impacto é o mesmo, só mudou a composição. Mas tem uma coisa que de fato muda tudo: os mercados agora podem cobrar pelas sacolas. E é nisso que eu quero focar. No Brasil, as pessoas usam muito o saquinho para acondicionarem seus lixos, e o fato de agora eles serem cobrados gerou, como em todas as vezes que leis similares são aprovadas, desconforto e reclamações: “agora eu vou ter que pagar pela sacola?” ou “Onde vou colocar o lixo?”
Sim, agora você vai ter que pagar explicitamente pela sacola. Mas não se engane, você já pagava. Pagava no custo indireto das mercadorias, porque nessa vida poucas coisas são de graça, e não é o caso de um produto consumido na casa de 1,5 milhão por dia no Brasil e 5 trilhões por ano no mundo (em um planeta com 7 bilhões de pessoas). Não tem como ser de graça. E eu acho ótimo o fato de as pessoas terem que pagar cerca de R$ 0,08 por unidade. Quem sabe assim elas reduzam o consumo desse produto e pensem que vivemos em um coletivo e outros seres que dividem o planeta, e que, na prática, a sacolinha de mercado mata. Mata animais marinhos e mata pessoas em enchentes e alagamentos. E de outras formas que muitas vezes não nos damos conta. Já parou para pensar que num país com mais da metade dos municípios com lixões, essas sacolinhas e todo o nosso lixo acabam nos oceanos e poluindo a água que bebemos? Que plásticos jogados por aí são foco de vetores de doenças como mosquito da dengue?
A Baía de Guanabara é a baía com mais microplásticos no mundo, e isso foi descoberto recentemente. Por que será? Será porque ali foi o maior lixão da América Latina, o Jardim Gramacho, e toneladas e toneladas de plástico vazaram por anos a fio? E que se continuarmos consumindo plástico, “verde” ou não, teremos mais plásticos do que peixes nos oceanos em 2050? E que não temos o direito de causarmos mais extinção e mortes de espécies inteiras pelo nosso conforto?
Uma lei como essa é uma oportunidade de repensarmos nossos hábitos. Será que precisamos de dois sacos, um enfiado no outro, para cada cinco coisas que compramos no mercado? Será que precisamos colocar saquinhos em todos os lixos da nossa casa? Até nos lixos secos? O que será que países como Bangladesh, Quênia e outros que já aboliram as sacolas e são mais pobres que o Brasil fazem com os seus lixos?
Para mim, é uma oportunidade ainda para pensarmos profundamente que vivemos em um coletivo e que juntos vamos ter que achar novas soluções para os problemas que nós mesmos criamos, para nosso próprio conforto. Só que agora esse conforto aparente virou um problemão, um risco à vida (a gente já come e respira microplástico).
O plástico, assim como o lixo, é um problema NOSSO! E as soluções passam pelo nosso envolvimento direto! Em São Paulo, em um ano de lei da sacolinha, quatro bilhões a menos foram consumidas. Não é zero, mas já é muita coisa.
Meu convite é para você repensar seu papel nisso tudo. E se a solução do lixo do banheiro ainda for uma questão, dá uma olhada no vídeo, que eu fiz justamente com não uma, mas 5 opções de solução.
Fe Cortez é ativista ambiental e idealizadora da plataforma de educação ambiental Menos 1 Lixo. No Insta @fecortez
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